quinta-feira, novembro 10, 2005

 


um bailado da música do tempo



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Nicolas Poussin, 'Dance to the Music of Time'
oil on canvas, c. 1638, 82,5 x 104 cm
Wallace Collection, London





«Filósofo e dramaturgo, o cardeal Giulio Rospigliosi era o tipo de coleccionador que admirava o trabalho de Poussin. Encomendou-lhe este pequeno e delicioso quadro, uma obra que transmite uma mensagem ou um quebra-cabeças intelectual e é um tratado em miniatura sobre o tempo, a sorte e a condição da humanidade, apelando mais à razão do que às emoções.

Os quatro dançarinos são figuras alegóricas: Riqueza, Prazer, Diligência e Pobreza. Somos convidados a discutir o seu significado num cenário pleno de outros símbolos. A figura com duas cabeças sobre o pilar de pedra é o deus romano Jano, o deus das duas caras que podia olhar para os dois lados ao mesmo tempo. O rosto jovem olha para o futuro e o velho para o passado. Os romanos invocavam Jano para abençoar o início de qualquer tarefa ou um novo ciclo, como um novo mês. Janeiro, o primeiro mês do ano, é assim chamado por causa do deus com duplo rosto.

O prazer, a dançarina com elegantes sandálias e uma grinalda de rosas na cabeça, atrai o nosso olhar, como se nos convidasse a entrar também na dança. Esta figura representa a luxúria, o hedonismo e a ociosidade. A dançarina que usa uma grinalda de pérolas na cabeça é a riqueza. O prazer pega-lhe na mão com firmeza, mas ela parece não saber se há-de segurar ou não a mão da pobreza, a dançarina vestida com simplicidade e que ostenta um austero toucado de pano. Vemo-la tentando tocar na fugidia mão da riqueza. Nem a riqueza nem o prazer dançam descalços.

O dançarino masculino usa uma coroa de louros, símbolo perene da virtude e da vitória. Representa a diligência e tem o olhar fixo na figura da riqueza. A relação entre a pobreza e a riqueza é deliberadamente arreliadora, pois ficamos sem saber se alguma vez acabarão por se dar as mãos com firmeza.

A criança soprando bolas de sabão aborda o conceito do “homo bulla”, o homem bolha, e simboliza a brevidade da vida: como uma bolha, a vida humana dura um breve instante e depois desaparece, deixando apenas uma memória. A figura alada e barbuda que toca para os dançarinos é o Pai tempo. A sua presença sugere o facto inexorável de que, através da dança da vida, a morte está sempre presente em todas as actividades e relacionamentos humanos. Por sua vez, a criança que está do lado direito complementa a figura do pai tempo, segurando uma ampulheta e representando a passagem do tempo.

Por cima dos dançarinos vemos Apolo, o deus do Sol, e o seu séquito constituido pelas ninfas e pelas Horas, as deusas das estações que seguem o seu carro dourado. Também elas dançam uma eterna dança paralela à representada em primeiro plano. Aurora, irmã de Apolo, deusa da madrugada, indica o caminho ao seu carro. É ela quem abre os portões da manhã e afasta as escuras nuvens da noite. Aqui, vai espalhando flores à medida que avança. O círculo seguro por Apolo representa a eternidade. Apolo representa a ordem e o comportamento civilizado, ao contrário de Baco que representa o lado irracional e emocional da natureza humana.

O quadro está preenchido de imagens contrastantes do duradouro e do efémero; por exemplo, o duradouro busto de pedra de Jano, decorado com flores efémeras; a delicada árvore da direita reflectindo a mais proeminente da esquerda, contrastando ambas com os nus plintos de pedra.

A habilidade de Poussin como desenhador está presente neste quadro. O seu traço é confiante e preciso, e a atenção que dedica ao mais ínfimo pormenor é meticulosa. O quadro mostra também que o pintor é um excelente colorista: a obra é uma discreta harmonia de azul e ouro, onde os pontos de azul fazem o olhar percorrer a tela, complementando o movimento circular dos dançarinos.

Tem havido muitas interpretações deste grupo de dançarinos, mas a chave da sua identidade e relação está no modo como se dão as mãos. Colectivamente, representam a roda da sorte, os quatro estados através dos quais o Homem roda constantemente durante a sua vida mortal.»


Robert Cumming








por Uther ás 07:08


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